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O artigo 43 da Lei 9.279/1996, a Lei de Propriedade Industrial (LPI), estabelece exceções ao direito de exclusividade do titular da patente e, em seu inciso III, autoriza a preparação de medicamentos por farmácias de manipulação, conforme prescrição médica, para uso individualizado.

Essa exceção cumpre uma função legítima e essencial: garantir o acesso ao tratamento quando não existem alternativas industrializadas adequadas às necessidades clínicas do paciente. Sem essa possibilidade, muitos indivíduos seriam efetivamente privados do uso do medicamento, como nos casos em que o paciente não consegue deglutir um comprimido disponível apenas na forma sólida ou apresenta alergias a excipientes presentes na formulação industrializada, embora não reaja ao princípio ativo.

Nessas hipóteses, a adaptação magistral, seja para alterar a forma farmacêutica, seja para ajustar componentes não essenciais, constitui o único meio de viabilizar a terapia. Assim, o inciso III reafirma a importância do tratamento individualizado, garantindo que necessidades médicas legítimas sejam atendidas sem que isso configure violação aos direitos conferidos pela patente.

No entanto, atualmente observa-se uma verdadeira distorção desta exceção.

O mecanismo pensado para atender casos individuais está sendo utilizado em massa, de forma comercial, padronizada e muitas vezes indiscriminada, principalmente quando o assunto envolve as famosas canetas emagrecedoras, tais como Ozempic, Victoza, Monjauro, entre outras. Este abuso da exceção jurídica pode trazer riscos ao direito de propriedade industrial e à saúde pública.

Dentro do escopo da propriedade industrial, o art. 43, por trazer exceções ao direito do titular sobre a patente, deve ser interpretado de maneira restritiva. Assim, qualquer leitura ampliativa compromete o equilíbrio fundamental entre o acesso ao medicamento e a proteção à inovação.

Esta interpretação restritiva da Lei impõe limites claros à manipulação de medicamentos: (i) deve haver prescrição médica; (ii) esta prescrição deve ser individualizada; e (iii) a execução ser realizada por profissional habilitado. Apenas atendendo a estas condições específicas é que fica permitido o uso da exceção legal¹.

Neste sentido, quando farmácias de manipulação passam a produzir medicamentos patenteados de maneira padronizada, com mesma dosagem e apresentação, visando venda em escala, deixa-se de falar em exceção e passa a haver a infração da patente.

Do ponto de vista jurídico, quando há manipulação indevida de um medicamento patenteado, o titular da patente pode, e deve, adotar medidas para conter a infração. Na prática, o primeiro passo costuma ser a notificação extrajudicial individual das farmácias envolvidas, informando a violação e exigindo a imediata cessação da manipulação irregular.

Ainda que, em determinados casos, a multiplicidade de infratores e a pulverização do mercado, possa fazer parecer que a notificação extrajudicial é pouco eficiente, ela segue sendo o melhor mecanismo imediato disponível, antes de avanço para medidas judiciais mais complexas e custosas.

Por essa razão, é fundamental que o titular da patente esteja bem assessorado, tanto do ponto de vista estratégico, quanto preventivo. Uma assessoria qualificada contribui para identificar eventuais usos indevidos da exceção prevista no artigo 43, inciso III, e para garantir uma proteção ampla e eficaz dos direitos patentários, sem desconsiderar o equilíbrio necessário entre exclusividade e acesso ao tratamento individualizado.

Este abuso da exceção legal também pode apresentar riscos sanitários que vão muito além da esfera jurídica privada. A manipulação em série, sem controle adequado, sem padronização validada e muitas vezes utilizando insumos sem origem comprovada, expõe consumidores a perigos reais.

Este risco já motivou uma intervenção recente pela ANVISA. Diante do descontrole do mercado relacionado às chamadas canetas emagrecedoras, a Agência publicou a NOTA TÉCNICA Nº 200/2025/SEI/GIMED/GGFIS/DIRE4/ANVISA², harmonizando entendimentos sobre a importação, a manipulação e o controle sanitário dos Insumos Farmacêuticos Ativos (IFAs) agonistas do receptor de GLP-1. Com isso, tentou conter práticas inseguras e padronizar critérios obrigatórios de fiscalização, chegando a restringir significativamente a manipulação desses insumos pela falta de comprovação de segurança e eficácia.

O caso das canetas emagrecedoras é um alerta claro: sem interpretação restritiva e atuação firme dos órgãos reguladores, a exceção destinada ao uso individual corre o risco de se transformar em regra.

Portanto, a exceção do art. 43 da LPI continua sendo um instrumento essencial para garantir acesso a tratamentos individualizados. Todavia, o uso indevido dessa exceção para justificar a manipulação em larga escala de medicamentos patenteados, cria uma distorção que compromete a saúde e segurança do consumidor, a integridade do sistema de propriedade industrial e a confiança no mercado farmacêutico.

¹ Referência ao entendimento doutrinário sobre o Art. 43, III da LPI. INSTITUTO DANNEMANN SIEMSEN DE ESTUDOS JURÍDICOS E TÉCNICOS. Comentários à Lei de Propriedade Industrial. 3° Edição.

² AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA (ANVISA). NOTA TÉCNICA Nº 200/2025/SEI/GIMED/GGFIS/DIRE4/ANVISA.

Publicado por: Millena Ribatski
Data: 27 de dezembro de 2025


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