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Publicado por: Filipe Monteiro, Advogado
Julho, 14 2020

Desenvolvedora de games ganha disputa judicial sobre direitos autorais de tatuagens em vídeo games

Há alguns anos, iniciou-se uma série de disputas entre tatuadores e estúdios de tatuagem contra desenvolvedoras de games nos Estados Unidos. O motivo da discussão? A exibição de tatuagens de jogadores famosos em vídeos games sem a devida autorização dos autores das obras de arte.

Em um primeiro momento, este cenário pode parecer esdrúxulo. No entanto, uma análise mais cuidadosa, a partir das leis de direitos autorais, demonstra que existem argumentos para sustentar a discussão.

Nesse sentido, sabe-se que o autor de uma obra de arte detém, automaticamente, os direitos autorais pela sua criação, inclusive, mas não se limitando, aos direitos exclusivos de reprodução, distribuição, exibição e exposição.

E por que seria diferente com os tatuadores?

Essa foi a lógica por detrás dos argumentos utilizados pelos tatuadores e estúdios de tatuagem quando decidiram processar desenvolvedoras de games como, por exemplo, a Take Two Interactive, a criadora do NBA2K, no caso Solid Oak Sketches, LLC v. 2K Games, Inc.

O NBA2K, jogo de simulação de basquete, exibe jogadores famosos com suas tatuagens características, dentre eles, o conhecido LeBron James, que ostenta em seu corpo tatuagens emblemáticas, como o rosto de sua mãe e o código de área da sua cidade natal.

Em resumo, a Solid OAK Sketches alegou que a Take Two Interactive estaria infringindo os direitos autorais do estúdio de tatuagem ao exibir as tatuagens de LeBron dentro de um jogo que fatura milhões de dólares, sem uma licença para tanto.

O problema começa durante o processo de desenvolvimento de um game, principalmente quando relacionado aos esportes tradicionais, onde jogadores famosos licenciam às desenvolvedoras o direito de explorarem a sua imagem.

Somente então as desenvolvedoras criam avatares com as características mais marcantes de cada jogador, para que aquele que joga o game reconheça com facilidade o seu ídolo, aumentando, consequentemente, o engajamento dos players com os jogos.

Contudo, esse processo não considera o fato de que o tatuador ou o estúdio de tatuagem é o “dono” da obra de arte e, por conta disso, detém direitos de autor sobre ela. Nesse cenário, portanto, o tatuador ou o estúdio de tatuagem também precisaria conceder uma licença autorizando a desenvolvedora a exibir e explorar as suas criações.

Ora, ainda que seja pacífico que entre o tatuador ou o estúdio de tatuagem e o tatuado exista uma licença implícita para a exibição das obras de arte em público, a mesma licença implícita, aparentemente, não existiria entre o tatuador ou o estúdio de tatuagem e outros terceiros, como as desenvolvedoras de games.

E qual é o impacto desse entendimento na indústria de games?

Por um lado, as desenvolvedoras poderiam deixar de exibir as tatuagens dos jogadores ou criarem meios para driblar essa exposição, como desenvolver avatares com roupas e acessórios que escondam essas particularidades.

Este tipo de medida evitaria eventuais desgastes com os detentores dos direitos de autor das tatuagens, mas, ao mesmo tempo, faria com que o jogo se tornasse menos realista.

Sem contar que muitos jogadores famosos poderiam não gostar da ideia de serem representados por avatares que destoassem da realidade. Tatuagens têm grande valor sentimental e deixar de exibi-las nos games poderia fazer com que esses jogadores repensassem suas decisões no momento de licenciar a sua imagem para uma desenvolvedora.

Qual a melhor solução jurídica neste contexto?

Advogados nos Estados Unidos já aconselham seus clientes a apresentarem um contrato de cessão dos direitos patrimoniais de autor quando seus clientes decidem ir em estúdios de tatuagem.

Ainda que muitos tatuadores gostem da exibição das suas obras sem a necessidade de uma compensação monetária, uma vez que essa exibição, por si, agrega valor ao seu trabalho, o risco de enfrentar futuros inconvenientes faz com que jogadores e seus advogados sejam cada vez mais cautelosos.

A situação ainda causa muita estranheza e somente com um maior número de decisões judiciais é que poderemos compreender para qual lado essa discussão vai caminhar.

Desfechos recentes:

Casos envolvendo tatuagens e jogadores famosos representados em vídeo games estão dando o que falar nos Estados Unidos. Alguns continuam em discussão, enquanto outros resultaram em acordos na casa de milhares de dólares.

Entretanto, recentemente foi publicada uma importante decisão no caso Solid Oak Sketches, LLC v. 2K Games, Inc.

Em 26/03/2020, a Ilma. Juíza Federal Laura Taylor Swain, da U.S. District Court of the Southern District of New York, decidiu que as tatuagens exibidas no NBA2K não são suficientemente parecidas com as tatuagens originais, de modo que não infringem direitos do autor.

De acordo com a Juíza, as “tatuagens são exibidas em apenas 3 dentre 400 jogadores” dentro do game e complementa dizendo que “os fatos demonstram que durante o tempo médio jogado, raramente jogadores tatuados estão presentes, e quando estão, suas tatuagens são exibidas em dimensões pequenas, difíceis de serem reconhecidas, aparecendo apenas como características visuais de figuras que se movem rapidamente em grupos de figuras de jogadores”. Ademais, ressaltou que as tatuagens dos jogadores não são exibidas em qualquer material publicitário do jogo em questão.

Nesse compasso, a Juíza, que claramente jogou o NBA2K, afirmou que quando as tatuagens aparecem no jogo, principalmente no momento em que o usuário seleciona o avatar do jogador de basquete preferido, não podem ser devidamente identificadas. Segundo a decisão, as tatuagens foram significativamente reduzidas no game, figurando entre 4.4% a 10.96% do tamanho da obra original.

Mais que isso, afirma que os fatos comprovam a existência da concessão de uma licença, não-exclusiva, pelos tatuadores ou pelos estúdios de tatuagem aos jogadores famosos para que esses possam utilizar as tatuagens como parte de sua própria imagem. Ou seja, para a Juíza, resta claro que as desenvolvedoras possuem uma licença implícita de uso e exibição das tatuagens quando licenciam o uso da imagem de jogadores para seus jogos.

Para arrematar a questão, a Juíza ainda acatou a reconvenção pretendida pela Take Two Interactive, reconhecendo que o uso de tatuagens em vídeo games é considerado fair use.

Segundo ela, as provas apontam para o uso transformativo das tatuagens, ou seja, ainda que o jogo apresente, de certa forma, cópias das tatuagens, essa exibição possui um propósito completamente distinto do propósito de quando as tatuagens foram criadas. Enquanto as tatuagens originais foram criadas como forma de expressão dos jogadores tatuados, no jogo carregam a função de caracterizar e identificar o avatar, ainda que as tatuagens dos games não apresentem todos os detalhes das tatuagens originais.

Portanto, essa decisão representa um divisor de águas na discussão entre tatuadores ou estúdios de tatuagem e desenvolvedoras de games, sedimentando o entendimento de que as versões das tatuagens dos avatares de jogadores famosos exibidas em vídeo games não são suficientemente similares às originais e, mais que isso, a elas aplica-se o instituto do fair use, afastando eventuais alegações de violação de direitos autorais.

Assim, ainda que exista espaço para discussão, especialmente quando houver maior realidade nas tatuagens exibidas em vídeo games, considerando a evolução gráfica dos de novos consoles, essa decisão solidifica um importante entendimento sobre a questão. 4º Paragrafo

Fonte:

https://www.nytimes.com/2018/12/27/style/tattoos-video-games.html https://www.nytimes.com/2018/12/27/style/tattoos-video-games.html

https://www.hollywoodreporter.com/thr-esq/nba-2k-publisher-beats-copyright-suit-lebron-james-tattoos-1286847

https://www.documentcloud.org/documents/6819709-SolidOak.html