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Publicado por: Filipe Monteiro, Advogado
Data: Agosto, 19 2021

Direito Autoral e Games: como uma violação de Direito Autoral valorizou astronomicamente um item virtual. 



Direito Autoral e Games: como uma violação de Direito Autoral valorizou astronomicamente um item virtual.

Sabemos que pela lei brasileira os Direitos Autorais protegem as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, conferindo direitos patrimoniais e morais à autores de criações originais, conforme determina o artigo 7º da LDA – Lei de Direitos Autorais, Lei 9.610/98:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: (…)

Neste mesmo sentido, nos Estados Unidos, são obras protegíveis por Direitos Autorais todas as obras originais que estejam fixadas, de acordo com o disposto no 17 U.S.C. § 102:

(a) Copyright protection subsists, in accordance with this title, in original works of authorship fixed in any tangible medium of expression, now known or later developed, from which they can be perceived, reproduced, or otherwise communicated, either directly or with the aid of a machine or device. Works of authorship include the following categories: (…)

Portanto, uma ideia não é suficiente para que se possa gozar dos direitos conferidos pela legislação, é necessário que essa ideia esteja fixada em algum modo de expressão e, além disso, que compreenda certa originalidade.

Isto quer dizer que, independentemente de ser considerada uma obra “boa” ou “especial”, para ser protegível por Direitos Autoriais, a obra deve conter um caráter de criação. Segundo João Henrique da Richa Fragoso, “não importa a avaliação estética que se faça da obra, importa que seja obra, e que seja, antes de tudo, original.”

Ademais, originalidade não se confunde com novidade, ou seja, uma obra pode ou não ser inédita, mas deve ser original quanto ao “tratamento” conferido ao tema/campo considerado comum, usual.

A Suprema Corte norte-americana decidiu, em Feist Publications v. Rural Telephone Service, 499 U.S. 340 (1991)¹, um dos leading cases mais famosos quando se trata da aplicação dos requerimentos para se determinar a existência de Direitos Autorais em determinada obra, que o sweat of the brow, quer dizer, o suor do trabalho, não é suficiente para que uma obra seja considerada um trabalho original e de autor. Será sempre necessário existir a creative spark, a famosa centelha criativa para, então, se constatar a originalidade da obra e consequente proteção pelos Direitos Autorais.

Neste sentido, o grande objetivo dos Direitos Autorais é (i) incentivar a criatividade de modo a beneficiar o coletivo, a população; (ii) respeitar o direito natural dos autores pelos frutos de seu trabalho; (iii) proteger a conexão pessoal entre o autor e a sua obra e (iv) fomentar o acesso público às obras, conferindo ao autor uma recompensa privada e limitada pela sua criação.

Mas o que são as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, em outras palavras, quais são as criações e obras protegidas pelos Direitos Autorais?

Pinturas, desenhos, livros, filmes, músicas, fotografias são os exemplos mais comuns de obras protegidas pelo Direito Autoral, até mesmo porque fazem parte do dia a dia de toda e qualquer pessoa. Quem não gosta de escutar uma boa música no final de semana ou assistir um bom filme no domingo?

No entanto, atualmente, o games têm recebido cada vez mais reconhecimento e já não é raro vê-los presentes nas casas brasileiras, seja em um celular, computador ou mesmo na televisão, dado o crescimento das transmissões de campeonatos de eSports e das famosas streams.

E qual a relação entre os games e o Direito Autoral?

Ora, games são campos extremamente férteis para todos os segmentos da Propriedade Intelectual, e não seria diferente com os Direitos Autorais; um game apresenta elementos de Patentes, Desenhos Industriais, Marcas, Software e, especialmente, milhares de elementos ligados aos Direitos Autorais.

Desde o roteiro de um game, seus personagens e até as famosas cinematics podem ser consideradas obras passíveis de proteção pelos Direito Autorais. Mas são as chamadas skins que estão surpreendendo o mercado. A famosa expressão follow the money explica toda essa atenção que está sendo voltada paraesses itens virtuais.

Skins nada mais são do que produtos virtuais, intangíveis, que podem ser adquiridos dentro de um game, seja para decorar o equipamento do jogador ou para ornamentar e vestir um personagem, conferindo personalidade e individualidade para cada gamer, da mesma maneira que roupas e acessórios tem o poder de representar a personalidade de cada pessoa no mundo “real”.

Vejamos alguns exemplos de skins que são comercializadas no mercado virtual:

Skins de roupas para diferenciar personagens do Fortnite. Disponível em https://www.elo7.com.br/kit-skins-fortnite-mdf/dp/10CB79D

Skins para ornamentar equipamentos no Counter-Strike GO. Disponível em https://s2.glbimg.com/LJ0WrcX3B0iZkvnP9aY4W4c_dic=/0x0:1500×1500/984×0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_bc8228b6673f488aa253bbcb03c80ec5/internal_photos/bs/2021/9/e/Nr4vGeQeiAtMr9cxGZJA/snakebite-case-csgo.jpg

Skins para ornamentar equipamentos no Valorant. Disponível em https://image-cdn.essentiallysports.com/wp-content/uploads/20200712180753/pbs_twimg_com-EcgXUcTWsAAMjEc.jpg?width=900

Neste compasso, pode-se concluir que as artes criadas para ornamentar personagens e equipamentos virtuais, dentro dos games, encaixam perfeitamente na definição de obras protegidas por Direitos Autoriais, visto que são criações do espírito, expressas por meios intangíveis.

Mas os autores dessas obras são recompensados financeiramente pela criação dessas artes?

A resposta é sim! Como toda e qualquer obra original, ao autor cabe os direitos patrimoniais relativos à obra, o que permitirá a sua monetização por meio de contratos de licenciamento ou de cessão de direitos autorais patrimoniais.

No caso das skins, as desenvolvedoras de games pagam uma porcentagem das vendas para cada criador/autor. Por exemplo, em 2019, a Valve, desenvolvedora do Counter-Strike GO, declarou que pagou $45 milhões de dólares para os criadores de skins.

Em 2012, início do hype das skins para jogos, um artista, criador de skins, arrecadava cerca de $40 mil dólares por ano com a monetização das suas criações. Já em 2015, um criador de skins declarou² que recebeu por volta de $200 mil dólares em dois anos a partir da porcentagem paga pela desenvolvedora com a venda de suas skins, desenvolvidas para o jogo Counter-Strike GO.

Em um mercado que não para de crescer, o mercado de games, impulsionado pelo isolamento social, que reduziu a compra de itens físicos, como roupas, sapatos e acessórios, as skins se tornaram produtos virtuais, intangíveis, muito desejados pelos jogadores que tem o desejo de adquirir itens únicos, exclusivos e que são capazes de representar a sua personalidade dentro de um jogo virtual.

Quanto custa uma skin?

Depende. Skins possuem valores completamente variados, podendo custar centavos e chegar na casa dos milhares, literalmente.

Esse foi o caso da conhecida skin para equipamentos do Counter-Strike Go, a “Howl”.

O caso ficou famoso justamente por tratar de uma infração de Direito Autoral, uma vez que a pessoa que se identificou como criador da arte, enviada e validada pela desenvolvedora do game, na realidade estava copiando a obra de outro autor.

Uma vez dentro do mercado virtual do Counter-Strike GO, a skin original da “Howl” foi vendida para um pequeno número de jogadores, até o momento em que a desenvolvedora foi Notificada Extrajudicialmente pelo autor da obra original.

O autor da obra original foi capaz de provar a autoria da obra e fez valer os seus Direitos Autorais, recebendo uma quantia pelo que já tinha sido arrecadado pela desenvolvedora com a vendas das skins que exibiam a obra original e fazendo cessar as vendas futuras de equipamentos com a sua obra.

Obra original criada por CanisAlbus, autor da arte. Disponível em https://cdn.mos.cms.futurecdn.net/sygRHgM8nVF2dqoBNiiBUW-970-80.jpg

Neste compasso, a desenvolvedora modificou e alterou a obra original, com o objetivo de não mais infringir o direito do autor.

À esquerda, skin Howl original e à direita skin Howl modificada pela desenvolvedora do jogo. Disponível em https://cdn.mos.cms.futurecdn.net/sr4x3L2ZcXmpx3oXTGrmSW-970-80.jpg

Com esse movimento, as novas skins “Howl” foram lançadas no mercado virtual, mas os equipamentos que já haviam sido vendidos para jogadores de Counter-Strike GO com a obra original infringida, não puderam ser retirados do jogo e, inclusive, receberam uma etiqueta especial de “contrabando”.

Ou seja, pouquíssimos exemplares da “Howl” original com a etiqueta contraband foram mantidos no universo do jogo, fazendo com seu valor disparasse astronomicamente. Hoje, nenhuma skin “Howl” está disponível através do mercado virtual oficial da desenvolvedora do jogo, mas é possível encontrá-la em websites terceirizados e está avaliada em torno de 22 mil reais.

Entretanto, em 2020, um colecionador Chinês surpreendeu e chocou o mercado de Counter-Strike GO quanto adquiriu uma skin “Howl” pelo valor aproximado de R$700 mil reais³.

Portanto, diversos são os motivos para a proteção e gestão dos Direitos Autorais, especialmente quando se trata de um mercado extremamente dinâmico e aquecido como o mercado de games, que pode figurar como um novo nicho de mercado para artistas que desejam se aventurar no mundo virtual.

¹Disponível em https://scholar.google.com.br/scholar_case case=1195336269698056315&q=eist+Publications+v.+Rural+Telephone+Service,+499+U.S.+340+(1991),&hl=en&as_sdt=2006&as_vis=1

²Disponível em https://dotesports.com/counter-strike/news/valve-reportedly-paid-45-million-to-csgo-skin-makers.

³Disponível em https://ge.globo.com/esports/csgo/noticia/csgo-m4a4-howl-e-vendida-por-quase-r-700-mil-valor-e-recorde.ghtml


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