A convenção da União de Paris – CUP – assinada em 1883, representa o primeiro marco internacional da proteção à Propriedade Industrial. Nela está consagrado o princípio da territorialidade, que estabelece que a proteção concedida à propriedade industrial possui validade limitada ao território que a concede, conforme exposto em seu art. 4º. (Art. 4° bis da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial – CUP). De acordo com o mesmo artigo, todos os países signatários da CUP são soberanos em suas análises, podendo conceder ou não os direitos requeridos, independentemente de decisão dos outros países a respeito da mesma solicitação. Nesse sentido discorreu Denis Borges Barbosa em sua obra “Tratado da Propriedade Intelectual”, sobre o princípio de Independência das Patentes, afirmando que cada patente corresponde a um título nacional, completamente independente de outras patentes¹.
De acordo com Peter Drahos, citado por Cláudio Lins de Vasconcelos, o advento do acordo TRIPS deu início ao Período Global da proteção à propriedade intelectual e a um processo de “desterritorialização”, ou seja, redução da autonomia dos países em relação ao direito da propriedade intelectual, havendo a unificação dos parâmetros de proteção à propriedade intelectual e mecanismos coercitivos, tudo de forma integrada ao sistema internacional de comércio².
Nesse contexto, para Cláudio Lins de Vasconcelos, o direito que cada Estado tem de dispor sobre determinada matéria em seu território é, ao mesmo tempo um poder e uma limitação, vez que, apesar da soberania quanto ao nível de proteção oferecido, em seu território, às inovações originadas em outro país, o Estado não possui qualquer controle sobre o nível de proteção que suas próprias inovações receberão no exterior³.
Assim, salvo mecanismos de cooperação previstos em acordos internacionais, como o Protocolo de Madri sobre registro de marcas, cabe ao titular do direito identificar os países de seu interesse e, então, por intermédio da designação de um procurador local para representá-lo, depositar seus pedidos e cumprir demais requisitos de proteção legal nos países escolhidos, estendendo a proteção de seus direitos a outros territórios.
Um sólido sistema de Propriedade Intelectual está diretamente relacionado ao nível de inovação na economia, não somente por proporcionar incentivos diretos aos criadores, mas também, no caso das patentes, por facilitar o acesso às informações técnicas disponíveis nos documentos e viabilizar sua exploração local, via licenças ou cessões de direitos.
Após publicados, documentos de patentes ficam disponíveis em bancos de dados públicos internacionais, o que representa uma enorme fonte de conhecimento tecnológico e faz cumprir sua função social, destacada já no art. 2° da Lei da Propriedade Industrial – LPI (Lei nº 92.79/96), que determina a proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerando o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.
Segundo dados da OMPI⁴, em 2019, os escritórios nacionais de PI que receberam o maior número de depósitos de pedidos de patentes foram China, Estados Unidos e Japão. Ademais, esses mesmos três países foram os maiores usuários do sistema PCT no mesmo ano. Considerando que os maiores depositantes de patentes e usuários do sistema PCT são também as maiores potências comerciais e tecnológicas do mundo, é possível estabelecer uma relação direta entre a criação de propriedade intelectual e o desenvolvimento tecnológico e econômico de um país.
A capacidade de inovar é determinante para a competitividade das empresas e das nações⁵, e a PI é o fator de garantia da inovação. Como explica Denis Borges Barbosa, quando se trata de economia de mercado, a livre concorrência deve presidir todas as relações econômicas, porém, a propriedade intelectual nasce de uma falha ou impossibilidade do correto funcionamento desse sistema, gerando a necessidade de restrições de acesso⁶.
Gerar inovações requer, normalmente, um grande investimento em pesquisa e desenvolvimento, além da assunção de riscos, devido à incerteza dos resultados. Porém, uma vez desenvolvida, a tecnologia passa a ser facilmente copiável. Nesse contexto, o livre mercado se torna insuficiente para manter o fluxo de investimento, uma vez que um concorrente que se aproprie de uma tecnologia desenvolvida por terceiro, no intuito de minimizar o risco do seu próprio negócio, poderá praticar preços mais baixos e obrigando o desenvolvedor a reduzir sua margem de lucro, que é o retorno de seu investimento. A principal função da PI, quando ligada à política de desenvolvimento industrial, é disponibilizar ao público o conhecimento adquirido, mas, ao mesmo tempo, dar ao desenvolvedor/investidor, ainda que temporariamente, o retorno devido pelo investimento na atividade econômica da pesquisa.
O princípio da territorialidade tem inúmeras implicações práticas nas possibilidades de exploração das inovações e, portanto, na política de desenvolvimento industrial. Determinada tecnologia protegida em um território “A”, mas não em outro território “B”, poderá ser explorada livremente em “B”, sem direito à exclusividade. Estaria, assim, em “domínio público”, conceito que abrange tudo aquilo que não foi protegido pelos direitos de propriedade intelectual no território ou cuja proteção concedida não se encontra mais vigente⁷.
Com base nesses conceitos, surgem diversas possibilidades de uso de inovações que estão nos limites da autonomia territorial, mas não estão necessariamente condicionadas à aquisição de direitos de PI: a utilização de tecnologias em domínio público, obviamente, é livre, como também é o aproveitamento de conceitos trazidos por tecnologias protegidas no desenvolvimento de novas aplicações, reduzindo investimentos em pesquisa. São igualmente livres a realização de mapeamentos ou monitoramentos tecnológicos de determinados campos ou empresas, o que possibilita a identificação de novas frentes de pesquisa e desenvolvimento, tendências mercadológicas ou, até mesmo, eventuais parcerias ou negociações. Sem um sistema de proteção de patentes confiável, no entanto, muitas dessas informações sequer estariam disponíveis.
Nesse sentido, um dos exemplos mais emblemáticos é o chamado “milagre japonês”, em referência ao crescimento econômico surpreendente verificado no Japão do pós-guerra. Conforme descrito por Glaucia Maria Vasconcelos Vale, as reformas políticas e econômicas da época envolveram, entre outras ações, a criação de indústrias em ramos estratégicos e o envio de observadores aos países ocidentais, buscando conhecimentos e tecnologias novas que pudessem ser implementadas pelas novas empresas japonesas. O Ministério da Industria e Comércio Internacional – MITI definiu objetivos e estratégias específicos para determinados segmentos industriais. Todo processo de transferência de tecnologia vindo do Ocidente passava pelo MITI, que garantia que as melhores tecnologias fossem adquiridas sob as melhores condições e que fossem difundidas no ambiente de negócios do país⁸.
Essas medidas protecionistas permitiram que o conhecimento tecnológico espelhado pelas indústrias locais deixasse de ser aplicado apenas na reprodução daquilo que havia sido previamente desenvolvido no Ocidente e passasse a servir como base para criação, aprimoramento e desenvolvimento de novas tecnologias, originadas localmente, transformando o país em uma grande potência tecnológica.
O desenvolvimento industrial e tecnológico é um dos pilares mais importantes no desenvolvimento econômico de um país, pois a dependência excessiva da importação de determinados bens ou tecnologias pode deixar um país em posição de vulnerabilidade.
¹BARBOSA, Denis B. Tratado da Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 637.
²VASCONCELOS, Cláudio Lins de. Mídia e Propriedade Intelectual – A crônica de um modelo em transformação. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p. 46.
³Idem, p. 48.
⁴WIPO. IP Facts and Figures. September, 2020. Acessado em 17/12/2020. Disponível em https://www.wipo.int/edocs/infogdocs/en/ipfactsandfigures2019
⁵CALMANOVICI, Carlos Eduardo. A inovação, a competitividade e a projeção das empresas brasileiras. Rev. USP no.89 São Paulo Mar./May 2011
⁶BARBOSA, Denis B. Tratado da Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 191.
⁷POLIDO, Fabrício Bertini Pasquot. Direito internacional da propriedade intelectual – fundamentos, princípios e desafios. Rio de Janeiro: Renovar, 2013, p 422.
⁸VALE, Glaucia Maria Vasconcelos. Japão milagre econômico e sacrifício social. RAE-Revista de Administração de Empresas, vol. 32, n. 2, 1992. Acessado em 17/12/2020. Disponível em https://www.fgv.br/rae/artigos/revista-rae-vol-32-num-2-ano-1992-nid-44265/
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